Durante 1920, em uma universidade da Alsácia-Lorena, Marc Bloch conheceu Lucien Febvre e os dois historiadores estabeleceram uma fecunda amizade. Logo se engajaram em um ambicioso projeto de renovar a historiografia da época que viviam. Em conjunto com geógrafos, psicólogos e sociólogos fundam a revista Les Annales d’Historie Économique et Sociale, em 1929. O primeiro número desse periódico deixa bem delineada as principais propostas desse grupo de pesquisadores: promover o diálogo entre a História e outras áreas de conhecimento das Ciências Humanas; fazer uma transição entre discussões mais teóricas para as questões de método. Em 1936, com a mudança da sede da revista de Estrasburgo para Paris e a série de ataques aos historiadores positivistas assinados por Marc Bloch e Lucien Febvre, a revista e o grupo dos Annales foi fonte de inspiração para toda uma geração de jovens historiadores.
Porém, entre 1936 e 1944, com a ascensão do nazismo e fascismo na Europa e a II Guerra Mundial, a revista enfrentou dificuldades financeiras e o grupo de investigadores que integravam seus quadros também foram atingidos pelo clima de temor instaurado em países em guerra. Marc Bloch, que já havia servido ao exército francês na Primeira Guerra, foi preso, vítima de torturas e executado a mando do carrasco nazista Klaus Barbie por ter se unido com a resistência francesa contra a ocupação alemã do país. O sociólogo Maurice Halbwachs, colaborador do grupo, faleceu em um campo de concentração nazista devido ao tratamento dispensado pelos alemães aos prisioneiros de origem judaica que eram enviados para essas instalações nas quais a crueldade humana foi burocratizada e praticada com uma banalidade até então inimaginável.
É nesse contexto de morticínio e atrocidades bélicas que Marc Bloch, enquanto estava preso, escreveu uma obra inacabada, porém sintetizadora do conceito de história e das metodologias de trabalho que acreditava ser fundamental para o programa dos Annales. Em Apologia da história ou o ofício do historiador, o autor busca responder a uma pergunta simples e formulada pelo seu filho, que tinha então sete anos de idade, mas que até hoje pode embaraçar até mesmo o mais experiente dos historiadores. Ao escrever para responder o que é história, o que poderia ser uma obra marcada pelo ressentimento e pela melancolia de um prisioneiro de guerra é, na verdade, um tratado escrito por um estilo de escrita afetivo, paciente, detalhista e generoso.
Segundo Bloch, a ideia de que a história tem como objeto de estudo o passado é risível. Em outras palavras, é impossível alguém saber o que aconteceu em outras épocas com a mesma exatidão das ciências exatas. A história é a ciência dos homens no tempo. Toda história é história do presente. O passado só passa a ter importância e a fazer sentido se for problematizado por questionamentos que são pertinentes para indivíduos inseridos em um determinado presente. A polarização entre os tempos passado/presente é criticada por Bloch. Isso significa dizer também que os historiadores não estão imunes aos preconceitos, utopias ou limitações próprias da época em que vivem. Os homens não são apenas sujeitos conscientes e livres que fazem a história. Eles são também feitos pela história. Essa hipótese, além de romper com a ideia da possível objetividade em torno do conhecimento sobre o passado, Bloch implodiu o pressuposto da suposta neutralidade defendida pelos positivistas.
Desconstruindo a perspectiva tradicional que estava comprometida apenas com a história das grandes personalidades, Bloch comparou o historiador ao ogro das lendas medievais: onde se encontra o homem, ele sabe que ali está sua presa. Quer dizer, para o autor, uma história feita sem atores sociais concretos, principalmente oriundos das classes populares, era algo a se refutar. Na verdade, Bloch, segundo José Carlos Reis, em Nouvelle Histoire e tempo histórico, não via muitas diferenças entre o trabalho do historiador e o do sociólogo. Porém, diferentemente da sociologia da Durkheim, com a qual dialogou bastante, Bloch sugere que estudar sociedades dentro de uma perspectiva de longa duração, por meio de análises quantitativas, não é o único caminho para a construção de conhecimento científico nas ciências humanas. Se a história é a ciência dos homens do tempo, precisa ser plural e particular tal qual é a própria relação dos seres humanos com o tempo que vivem. A história pensa o humano em suas diferentes durações temporais.
Em termos metodológicos, Bloch propôs estratégias como o método regressivo, a quantificação, a comparação e a reconstrução conceitual. O historiador não precisava mais ser um colecionador de fatos e datas. Ele deve ser um construtor, recortador, leitor e intérprete do passado. Dessas considerações nasceu o conceito de “história problema”, pois, para os Annales e Bloch, sem problematizações não há história. Reconhece-se que não há conhecimento histórico sem teoria. O texto histórico é resultado de uma explícita e total construção teórica que conceitua, analisa, interroga, sintetiza e lança conclusões em torno de fontes e não uma narrativa objetiva sobre o passado. Nesses termos, apesar do seu caráter inacabado, Bloch parece ter escrito um dos mais bem sucedidos tratados da Nova História. Apologia da história não é apenas um livro sobre o trabalho do historiador. Por seus conteúdos e nas condições em que foi escrito, tornou-se também um ato de história.
Imagem de destaque: Unesp Franca