Juventude, política, esperanças

Alexandre Fernandez Vaz

Não deve ser fácil ser jovem nos dias de hoje. Na verdade, nunca foi, pelo menos para uma parcela significativa de pessoas, entre as quais me incluo. Não tenho a mínima saudade de meus tempos de juventude, nem mesmo da força e da resistência corporais que obviamente já não são as mesmas. É mais ou menos como acontece com a infância: tendemos a idealizá-la como tempo de jogos e falta de preocupações, mas não lembramos – provavelmente isso não é mesmo possível – que as crianças choram muito e que vivem recebendo nãos dos adultos. Negativas que, aliás, são necessárias, ainda que nem sempre seja fácil delimitar as fronteiras entre cuidado, autoritarismo e simples dificuldade em saber o que fazer.

Para muitas pessoas jovens a sensação de inadequação é constante. O corpo geralmente não corresponde às demandas impostas pela competição desenfreada pelos modelos do momento e a autoavaliação exagera no rigor. Os hábitos, a maneira de falar, estar muito perto da infância ou da vida adulta, ou com um pé em cada etapa, enfim, parece que nunca se está confortável consigo mesmo e com o entorno. A vida adulta talvez ensine que a não adequação, sempre que isso não signifique sofrimento demais, pode não ser algo tão ruim. Mas, não é isso que é sentido quando se é imaturo, mesmo nas tentativas de buscar a diferença para, finalmente, tornar-se aceito.

Se os problemas correspondem a questões geracionais, tudo isso se multiplica nos atravessamentos de gênero, orientação sexual, etnia, capacidades físicas, religião, organização familiar e, entre outras possibilidades, classe social. Em relação a esses quesitos, a disputa eleitoral desde ano, para vereança e prefeitura, foi de escaramuças das mais pesadas. Para uma juventude que já nasceu – ou que pelo menos se entendeu por gente – no âmbito das redes sociais e smartphones, o fluxo de informações e a sucessão acelerada de imagens traz as coisas para outro patamar. Com isso, que é parte do esfarelamento da esfera pública e da vida em comum, a política também desliza para um lugar menos conhecido pelos partidos e candidaturas que se entendem (ou se entendiam, a expressão caiu em desuso) como do campo democrático-popular.

Enfrentando a violência cotidiana, e muitas vezes sendo convidados a participar dela, jovens da periferia já sabem que as possibilidades de trabalho no velho modelo em que os partidos de esquerda se formaram são muito escassas. Dificilmente haverá carteira assinada e férias, tampouco aposentadoria. Isso não é uma prerrogativa da vontade individual deste ou daquele político ou dirigente, mas da contingência histórica que vivemos. Administrar expectativas que não serão cumpridas só gera ressentimento e frustração, abrindo flancos para todo tipo de vendedor de ilusões que, nas redes sociais, sugerem que cada um pode ser bem sucedido (o que significa ser milionário) sempre e quando se esforce, seja esperto e deixe, claro, de ter confiança nas promessas da esquerda. Isso afeta diretamente os jovens.

Superar esse impasse exige uma série de movimentos. Um deles, mais imediato, é deixar de tratar a religião como sinônimo de estupidez, o que acontece principalmente se a crença professada não for a mesma das camadas médias pretensamente intelectualizadas, aquelas que sempre acham que encontraram o nirvana ou a autêntica raiz da espiritualidade. Não é pelo fato de haver perseguição e intolerância contra religiões de matriz africada – e há muita –, que evangélicos e cristãos em geral devam ser tratados simplesmente como gente ignorante. Além disso, é preciso separar os oportunistas e mercadores da fé daqueles que a professam como parte importante de sua estrutura subjetiva e das formas de sociabilidade que exercem. 

Outro, mais extenso, é, como apontou Fernando Haddad há poucos dias, apresentar um projeto para a sociedade. A falta dele reduz o horizonte utópico e, como bem colocou o ministro, dá espaço para o grotesco espetáculo da distopia promovido pela extrema-direita. Se já é difícil ser jovem, na ausência de sonhos tudo tende à desesperança, ao medo e ao ódio. Sonhar, no entanto, precisa da ancoragem na realidade para não ser mero delírio, e isso demanda uma aposta no trabalho político de longo prazo. Ele, por sua vez, supõe a escuta interessada e não meramente eleitoral: de quem é desempregado, vive de pequenos serviços, é entregador, ambulante ou faz bolos e salgados em casa, anunciando-os nas redes sociais; de quem espera ser empreendedor de si mesmo, desesperado pela falta de emprego formal ou pelas péssimas condições que encontra nele. A periferia vem dizendo algo nas urnas cuja resposta não pode ser aquela que direta ou sub-repticiamente repete que o atraso é fruto de eleitores enganados ou encurralados em guetos eleitorais. Sim, isso existe, mas está longe de ser a regra. Ademais, escorar-se em preconceitos não ajuda na autocrítica, tampouco na elaboração de propostas emancipadoras. 

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