Fora de sala: o que há de novo, ensino médio?
Henrique Caixeta Moreira
Na última semana, nós do Programa Pensar a Educação realizamos o evento Fora de sala, ao lado do hall da Faculdade de Educação da UFMG. A temática deste evento foi: o que há de novo, ensino médio? E durante ele pudemos conversar com diversas pessoas, entre elas alunos, professores, pesquisadores, pais e licenciandos, todos envolvidos com o novo ensino médio em algum nível. Para guiar a conversa, contamos com três pessoas de áreas distintas para debater o novo ensino médio em sua realidade política e institucional: Geraldo Magela Pereira Leão, professor e pesquisador da UFMG; Clarice Guimarães Rabelo, professora do ensino médio de história e projeto de vida; e Giulia Soares, presidenta da União Colegial de Minas Gerais. Ou seja, uma aluna do ensino médio, uma professora do ensino médio e um professor que forma professores do ensino médio. Cada um com uma perspectiva de vivência e de atuação profissional e uma das coisas que mais chamou a atenção foi como olhares tão distintos concordam com uma coisa. O novo ensino médio não é bom.
Uma das coisas que ficou clara durante esse evento é que o novo ensino médio não é apenas uma política educacional, é um projeto que busca garantir o acesso de um determinado público às universidades públicas e cargos de maior remuneração do país ao mesmo tempo em que garante outro determinado público ocupando trabalhos de menor remuneração. Acho que já sabemos quais públicos são esses né? O novo ensino médio nas escolas públicas propõe cada vez menos tempo de aula para conteúdos que caem no ENEM, porta de entrada das universidades públicas. Já nas escolas particulares os alunos do ensino médio têm acesso a cada vez mais conteúdo sobre a prova, além de cursinhos especializados e material de qualidade.
Percebemos que há, no projeto do novo ensino médio, a proposta do empreendedorismo como condição para a melhoria da qualidade de vida dos alunos. Tivemos relatos de alunos que estão tendo aula de fazer brigadeiro e bolo de pote como possibilidade de um projeto de ascensão econômica. Acho importante ressaltar aqui que não tenho nada contra a venda de brigadeiro e bolo de pote, nem do ensino da economia informal nas escolas. O problema é que isso é colocado como solução para um problema estrutural como a pobreza e a falta de investimento na juventude. Outro problema é que nossos jovens são convencidos que seu futuro depende exclusivamente de suas atitudes individuais e sua força de vontade ignorando diversos fatores que diariamente dificultam seu caminho. Outro problema ainda maior é que individualizamos os problemas e suas soluções tirando dos nossos alunos a condição de trabalhar as questões coletivamente. E isso é parte fundamental desse projeto político que quer trabalhadores cada vez mais individualizados, menos organizados, com menos condições de interpretação e sentindo que tudo o que os acomete é responsabilidade direta de seu próprio esforço ou falta dele.
A lógica do empreendedorismo é individualista. Ela vende sonhos como projetos individuais a partir da mentira do empreendedor que saiu do nada e apenas com seu esforço conseguiu se tornar um milionário. Essas narrativas podem ser encontradas na internet aos montes e agora ela também se apossa das nossas escolas. Através delas, nossos jovens são convencidos de que são responsáveis por seu sucesso ou fracasso na vida profissional e financeira, tirando do escopo decisões políticas, interesses políticos e articulações institucionais como decisões econômicas, base de remuneração e opções de mercado.
Esse discurso individualista é tudo que um mercado que depende da exploração do trabalhador quer e tem como seu aliado um novo ensino médio que busca produzir um sujeito individualista, desconectado de seus colegas e sem condições de leitura e senso crítico garantido pela falta das aulas de história, filosofia e sociologia que foram retiradas do currículo. Entre vários tópicos debatidos no evento, um se destacou como uma forma importante de combate a essa realidade: a criação de comunidades e fortalecimento de vínculos.
A criação de laços, parcerias e comunidades entre professores e alunos não faz parte da política institucional do novo ensino médio e também não fazia parte da política institucional do antigo ensino médio. Mas se torna cada vez mais necessária. Juntos somos mais fortes, juntos podemos nos ajudar, juntos podemos fazer a diferença, juntos nós acolhemos, juntos lutamos, juntos vencemos. A possibilidade de nos unirmos é o que nos tira do lugar de mesmice e nos dá condição de enfrentar questões institucionais como o novo ensino médio, o empobrecimento da população trabalhadora, a falta de senso crítico, de condição de leitura, etc. Precisamos de mais grupos de cultura, clubes do livro, grupos de amizade, cooperativas, times de esportes e toda forma de organização popular por que é através do coletivo que temos condições de crescer, de mudar, de questionar. É através do coletivo que temos força pra negociar, que somos confrontados com o diferente e que podemos somar uns aos outros. Na prática, o que o novo ensino médio tem de novo é o fortalecimento de um projeto político que busca retirar dos mais pobres a pequena chance de ascensão social e é por isso que devemos combatê-lo com unhas e dentes.