Ariane Fernanda dos Reis Moreira
Emiliano Zuchetti Teixeira
Conversando sobre as nossas experiências no exercício da docência, chegamos a este escrito. Experimentamos o papel de educadores em territórios e com públicos diferentes. Um dando aula de Geografia em território quilombola de Porto Alegre, para adolescentes. E outra dando aula de Psicologia Social II numa universidade pública na mesma cidade, para adultos. Durante a realização de ambos os estágios, adotamos uma prática comum: os encontros individuais com cada estudante no espaço/tempo estendido da sala de aula.
Na experiência da graduação, os encontros individuais surgiram como proposta da professora responsável pela cadeira de Psicologia Social II para conhecer as estudantes. Pois o ambiente virtual, que tomou conta de nossas vidas durante a pandemia de COVID-19, causa um afastamento ainda maior do que já costumamos ver na sala de aula presencial. Algo que dificulta a prática de uma docência que se propõe libertadora, pois o reconhecimento se dá a partir da escuta de cada uma das vozes presentes (HOOKS, 2017).
Nas aulas com as adolescentes do Quilombo do Areal, a intenção era realizar encontros coletivos ao estilo “reforço escolar” utilizando jogos e outros métodos para auxiliar no ensino de Geografia. Entretanto, não houve adesão à iniciativa culminando nas trocas individuais. Refletimos assim, que uma prática pedagógica engajada não consiste somente no entusiasmo da professora, também dependem da construção coletiva da comunidade da sala de aula. (FREIRE, 1983; HOOKS, 2017).
Houve entranhamento da proposta de ter uma conversa individual com professores, as alunas diziam nunca terem visto esse tipo de prática e não entendiam por que deveriam participar. Algumas não apareceram no primeiro momento, pois essa atividade não era obrigatória. Mas depois, ao longo do semestre, procuraram por esse espaço e pela oportunidade de fala. Para nós foi importante dar espaço para que as estudantes falassem de si e nos ouvissem sobre experiências pessoais, para que isso estimulasse confiança e se refletisse em suas participações na comunidade da sala de aula.
Assim, como estudantes e professores, percebemos que o isolamento ocorre com facilidade, bem como o sentimento de deslocamento e a apatia que nos assola quando há dificuldades de compreensão. Desgosto comum aos que acessam uma educação bancária que só despeja conteúdo daqueles que se colocam como detentores do saber. Não se trata de fazer analogias entre os conceitos e as vivências, mas buscar uma linguagem que possa ser comum e acessível.
E é “por isso que nenhuma teoria que não possa ser comunicada numa conversa cotidiana pode ser usada para educar o público” (HOOKS, 2017, p. 90). Cada sala de aula é diferente, é preciso constantemente rever as estratégias e se autoatualizar para dar conta das experiências de ensino que surgirem, sendo possível se comunicar com plateias diversificadas (HOOKS, 2017). Não sugerimos uma receita fixa para as leitoras, mas descrevemos nossa experiência pessoal e o diálogo das trocas com nosso aprendizado.
Vemos os encontros individuais como uma alternativa para mediar a “competição pela voz” em sala de aula, utilizando-os como estratégia pedagógica em que todas pudessem, se envolver com as questões apresentadas nas aulas, sejam elas de Geografia ou de Psicologia Social. Utilizamos as experiências das estudantes como dimensões vitais para o processo de aprendizado (HOOKS, 2017). E ao iniciar as práticas de estágio docente com a leitura prévia de bell hooks (2017) e Paulo Freire (1983), conseguimos compreender que nosso conhecimento é limitado, exercitando a humildade para ouvir aquelas que mesmo na posição de educandas nos oferecem, através de experiências pessoais, uma maneira de aprender respeitosamente sem necessariamente negar a nossa posição de “autoridade” enquanto professores.
A experiência pode ser um meio de conhecimento que muitas vezes informa o modo como sabemos o que sabemos (HOOKS, 2017). E se compreendermos que vivemos em uma única realidade, mas que a experimentamos de modos diferentes, podemos romper com a barreira da relação hierarquizada tão comum em sala de aula. Fazemos coro com a autora quando ela diz que:
“o clamor pelo reconhecimento da diversidade cultural, por repensar os modos de conhecimento e pela desconstrução das antigas epistemologias, bem como a exigência concomitante de uma transformação da sala de aula, de como ensinamos e do que ensinamos, foram revoluções necessárias […]. (hooks, 2017, p. 45)
Cabe-nos continuar experimentando as estratégias que nos são apresentadas pelas professoras mais experientes na tentativa de resistir a um modelo de ensino que busca universalizar e homogeneizar as existências, desrespeitando a possibilidade de outros conhecimentos possíveis. Pois já sabemos o tipo de professores que não queremos ser, e que temos de manter nossa constante autoatualização para praticar uma educação realmente libertadora.
Nota
Todo o texto é escrito no feminino por escolha política dos autores, entretanto ambos os gêneros estiveram presentes nas trocas apresentadas.
Para saber mais
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. 2a ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1983.
Imagem de destaque: Fernando Martinho