É tudo para ontem, UFBA

Carla Aragão*

Lilian Bartira Silva*

O Semestre Letivo Suplementar (SLS) da Universidade Federal da Bahia chegou à reta final em 18 de dezembro com uma incógnita: quais foram os aprendizados e como eles vão pautar o primeiro semestre de 2021? Não temos resposta oficial a esta questão, tampouco um convite para construirmos essa resposta coletivamente, mas temos uma certeza: é tudo para ontem, como nos alerta Emicida.

Esse sentido de urgência, aliada a uma perspectiva crítica, criativa e verdadeiramente inclusiva, precisa pautar os encaminhamentos que serão tomados, à luz de uma profunda análise do SLS, a despeito de promover uma ampliação dos abismos já existentes na comunidade universitária. 

Quantos estudantes evadiram? Por quê? Quantos conseguiram se matricular e finalizar as disciplinas? Os professores conseguiram se organizar para o trabalho à distância? Como os calouros vivenciaram as experiências? Quais as dificuldades encontradas? São muitas perguntas que precisam de respostas. A única informação que temos é que o semestre 2021.1 terá início no final de fevereiro. Como? Não sabemos.

Sabemos, entretanto, que as 69 universidades federais reagiram das mais diversas formas às imposições da pandemia. Algumas, aceitando prontamente o desejo do governo federal, migraram sem planejamento para um modelo online. Outras suspenderam totalmente suas atividades. O primeiro semestre de 2020 foi de perplexidade. No caso da UFBA, para o segundo semestre, a decisão foi a implantação do SLS, antecedido de ações organizadas pela administração central, dentre elas, o Congresso Virtual da UFBA, considerado bem-sucedido, e a realização de consultas sobre condições de trabalho de servidores e professores, e de aprendizagem online, pelos estudantes.

A pesquisa de abril, enviada a toda a sua comunidade discente, contou com 12.537 respondentes, o que corresponde a aproximadamente um quarto da comunidade universitária. Dos respondentes, quase um terço dos graduandos indicou terem renda familiar de até 1,5 salário-mínimo. Destes, 42% afirmaram não dispor de recursos para manutenção dos serviços de acesso à internet; 46% disseram não ter conexão de qualidade; e 39% não tinham os equipamentos necessários. Na pós-graduação, 14% dos respondentes têm renda familiar de até 1,5 salário-mínimo, dos quais 47% afirmaram não ter recursos para acesso à internet e 29% não têm equipamentos suficientes. Cerca de 70% dos estudantes não responderam à enquete, o que foi interpretado como indisponibilidade de acesso e infraestrutura.

Em termos de ensino, o SLS promoveu a oferta de atividades já inclusas nos currículos dos diversos cursos, como outras atividades consideradas especiais para o momento. As atividades de pesquisa e extensão continuaram, com todas as dificuldades que o isolamento vem acarretando. No caso das disciplinas ofertadas, a legislação previu matrícula ou desligamento facultativos aos estudantes, a fim de não penalizá-los em função das dificuldades já referidas.

Aproximadamente 29 mil alunos aderiram ao SLS. Em uma outra pesquisa com participação de um quarto da comunidade discente da UFBA, os dados foram aparentemente animadores: quase 90% dos respondentes se matricularam no SLS, desses apenas 6,7% de graduandos e 1,9% de pós-graduandos abandonaram o semestre. Entretanto, foram dados parciais que precisam de atualização. A disciplina Polêmicas Contemporâneas, por exemplo, computou mais de 1.600 matriculados e realizou 11 debates, reunindo 55 convidados. Alcançou uma taxa de 31,5% de concluintes com aprovação. Como foi a performance em outros componentes? 

Dentre as medidas adotadas para assistência e permanência estudantil que valem ser destacadas estão as Tendas Digitais, espaços de estudos e acesso à internet disponibilizados para os cadastrados na Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae) e não cadastrados com renda abaixo de 1,5 salário-mínimo; e o PsiU – Programa de Bem-estar em Saúde Mental da UFBA, que acolheu pessoas em situações de desconforto mental. Ao longo dos últimos seis meses, o PsiU realizou mais de 500 acolhimentos através de sua equipe e uma rede de apoio com mais de 40 terapeutas voluntários.

Em panorâmica avaliativa realizada por Polêmicas Contemporâneas em seu último debate, muitos pontos nevrálgicos foram levantados por representantes de movimentos estudantis da graduação (Diretório Acadêmico do curso de Medicina) e pós-graduação (Associação dos Pós-graduandos da UFBA). Segundo as coordenadoras de tais entidades, embora o esforço coletivo para o seguimento das atividades tenha sido plausível, muitos entraves dificultaram a motivação e permanência dos estudantes no SLS, dentre eles: ausência de oferta de disciplinas obrigatórias; número de vagas reduzido em grande parte dos componentes oferecidos; problemas de conectividade domiciliar; rotinas exaustivas, sobretudo, para as mães estudantes; exigência de produtividade pelas agências de fomento à pesquisa; evasão em função de problemas psicológicos; contexto externo adverso por conta da pandemia e do próprio sistema político avesso à universidade pública. Questões referendadas por um número volumoso de comentários que chegavam pelos ambientes interativos da disciplina, realizados por centenas de estudantes que acompanhavam o debate. 

Diante da morosidade do governo federal, dos anúncios de cortes orçamentários, do negacionismo científico, das “intervenções” nas universidades em relação a nomeação de reitores eleitos, das trocas de ministros no MEC, entre tantos outros absurdos desses tempos recentes, as universidades tiveram que construir seus próprios caminhos, não só para garantir o fazer científico, mas para acolher sua comunidade. Com a UFBA não foi diferente. O SLS revelou que os processos precisam ser aperfeiçoados, mas indicou também que o caminho é manter-se no movimento de (re)existência. 

Parodiando o poeta paraibano Zé Limeira, cujos versos foram sampleados por Belchior na década de 70 e revitalizados por Emicida, em 2019, morremos todos de alguma forma em 2020, mas não podemos morrer em 2021. A Universidade precisa se posicionar nesse lugar de vitalidade, de crítica, de criatividade e, principalmente, de construção coletiva de saberes que nos ajudarão a seguirmos em frente durante e pós pandemia.

 

*Jornalistas, educadoras e doutorandas em Educação/UFBA


Imagem de destaque: UFBA

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