Distância, para que te quero – não quero
Ivane Laurete Perotti
Onde mora um, não moram dois. Em alusão aos corpos que se colam, a invisível distância se apresenta. Pesada. Vestida de vazios afivelados.
Conceitos distanciam. Valores segregam. Culturas afastam. Nada são diante do real distanciamento. Pouco diante dos mundos que não se tocam. Todos eles. Todos nós. Distantes por princípio físico. Etílico. Etérico. Coisas do pensar. Do sentir. A distância é da ordem da vida. Mesmo que nos encante o contrário.
Com essas ideias a fermentar alma e garganta, entrou pela porta. Nuvens formavam-se na dianteira dos passos.
_ Não entendi a sua mensagem.
Na cozinha, ele reaquecia o café. Cozinha minúscula. Mal cabiam vapores. Cheiros do dia que se entregava. Fatídico. Terminal.
_ Qual delas?
_ Sabe qual …
_ Não sei!
_ Não estou distante. Apenas…
_ Afastada.
_ Não…só…só…
_ Inacessível!
_ Óbvio que não! Só estou…
_ Longe!
As sinonímias encolheram-se. Por mais distantes que estivessem da referência, atingiram o objeto. Um. Dois.
_ Preciso de espaço.
_ Apartamento maior?
A luta semântica tem batalhas. Sexistas. Ideológicas. Negar sentido é construir sentidos. Outros. Possíveis. Maquinados na engenharia do dizer. Do controlar. Intenção e resultado. Servida em subjetividade, há dias sufocava emoções. Contraditórias. Bruscas. Fugidias. Presentes na pele. Não se distanciava. Queria respostas às máscaras do “para sempre”. Corpo e tempo cutucavam. Mais o corpo, mesmo acreditando que dera asas ao último. Asas de passiva conformação.
Acostumaram-se à inseparabilidade. Práticas de um contrato sem rosto. Ações por correspondência. Escolhas sem fundo. Afundara-se.
_ Preciso de espaço…meu espaço…quero um tempo para…
Fez-se guerra. Semântica do desvario. Apelos à ordem das falas. Do amor e da necessidade. Tempo é palavra marcada. Figura de linguagem. Homeopatia do desterro. Casais não pedem tempo. Prazos. Intervalos. A roda dos corpos gira. Concêntrica. Carrilada.
A lua que se levantava bateu à janela. Dançavam as palavras não ditas. Sombras de muitos discursos.
_ Tempo é o que você tem, ou o que você quer? _ questionou ele, a voz rouca.
A resposta acumulava pedras na garganta. O que era tempo, afinal, senão a soma de momentos que se perdiam ?
_ Eu só… _ hesitou, as ideias amontoadas. _ Quero entender quem sou.
A cozinha diminuía. Cautelosa. Tensionada. A ruga do presente aparecia. Profunda. Sujeita a preenchimentos. Acidificação.
O jogo das palavras, essa luta por significado, desgastava um e outro. Ela olhou para o café, o líquido escuro refletindo seus próprios labirintos. A distância, palpável, tornara-se certeza.
_ Não é sobre você … Estou presa em algo que não sei nomear.
_ Então nomeie! _ A resposta foi rápida, um sopro de desafio. _ Diga o que te sufoca, o que te mantém distante.
Silêncio pesado. Constrangedor. Café descolorindo-se. Coragem escondida em meio ao caos.
_ Eu quero… espaço para descobrir. Quero descobrir quem eu sou fora de nós.
O olhar dele suavizou, mas a frustração armara carranca. O que era um eu, se não um reflexo do outro? O que restaria quando a linha tênue entre eles fosse rompida?
Distância de um: realidade do outro. Ou, como escreveu Adélia Prado, no poema O Intenso Brilho: “É impossível no mundo/ estarmos juntos/ainda que do meu lado/adormecesses.”
Maravilhoso, o texto da Ivane!
Tão real…