Das formas eficazes de dominação: lições de preconceito para crianças e jovens

Alexandre Fernandez Vaz

Não é novidade que a escola é lugar de tensão e violência. Essa instituição, tão solidificada na modernidade e que é igualmente um de seus alicerces, é mais que apenas isso, mas o quantum de sofrimento que ela imanta e é gerado em seu interior não pode ser negligenciado. Os casos de agressão entre professores e alunos, o tráfico de drogas e os eventuais massacres são os momentos álgidos e que mais chamam a atenção, levando pânico a famílias e trabalhadores, movimento que se intensifica pela indústria cultural como porta-voz do comércio armamentício. 

Mas há outras formas de violência escolar. Crianças e jovens aprendem e internalizam os muitos preconceitos (racismo, transfobia, homofobia, capacitismo, misoginia, etc.) que circulam em nossa sociedade. O filósofo Theodor W. Adorno escreveu, há seis décadas, que tal aprendizado se dá com frequência no interior da família, esse território que pode ser de proteção, mas que não está alheio a sentimentos e práticas deletérios que nos rodeiam. É nesse sentido que afirma que a educação deveria contrapor-se àqueles impulsos preconceituosos que crianças (e jovens) costumam trazer do núcleo familiar mais íntimo.

Não é pequeno o desafio, em especial em um momento em que as escolas são emparedadas por famílias que intoxicam a educação dos pequenos com ostensivas doses de intolerância religiosa e de capacitação reificante. Pluralismo, universalidade de direitos, respeito às diferenças e singularidades, pensamento rigoroso e criativo, sensibilidade estética apurada e cuidados generosos com o próprio corpo: a tradição iluminista vem sendo cada vez mais atacada, seja pelo extremismo de direita, seja pela busca da funcionalidade individualista. Esta vem justificada por discursos como eficiência, competitividade, empreendedorismo, empregabilidade, flexibilidade e sabe-se lá mais o quê.

Entretanto, não faltam razões para a escola agir. Naquela mesma intervenção de tantos anos atrás, Adorno lembra que nas brincadeiras infantis acontecia a exclusão de crianças, umas pelas outras, isolando-se as não pertencentes aos grupos étnicos dominantes. O contexto era a relação entre judeus e não judeus no pós Segunda Guerra, mas o filósofo destaca que o mesmo valia para o que acontecia, por exemplo, em relação a crianças negras nos Estados Unidos da América. O processo se espalha porque o preconceito tem uma dimensão intercambiável, já que ele diz mais sobre o preconceituoso do que a respeito da vítima, a coisa andando pela projeção socialmente patológica do primeiro na segunda. Há poucos dias, aliás, o filho de um jornalista brasileiro baseado nos EUA ouviu de uma colega, depois de uma escaramuça comum no pátio do colégio, o seguinte: “Tomara que você seja deportado”. Ser estrangeiro, especialmente portar passaporte de nações subalternizadas, é a marca que designa quem é indesejável no país guia do capitalismo (e, portanto, do belicismo) mundial.

No Brasil, em que um sem-número de preconceitos violentam o cotidiano de boa parte da população, inclusive aquela que fala castelhano como idioma de origem, as notícias tampouco são boas. Um dos alvos do ódio das camadas médias e altas, sempre em busca de distinção, é a pobreza, situação muitas vezes associada à doença, sujeira e crime. Pois, bem, eis que agora crianças insultam seus pares lançando-lhes o epíteto de “CLT”, ou seja, os desprezam dizendo que futuramente serão trabalhadores sob a Consolidação das Leis do Trabalho. O que isso quer dizer? Que terão chefes, recorrerão necessariamente ao transporte coletivo e viverão pobres. Fracassarão. Melhor então é desregulamentar, não ter direitos e viver a ilusão de que será possível ser sempre livre empreendedor, winner e jamais loser.

Para completar, como se não bastasse a estranha existência da profissão de influencer (alguém cujo propósito é influenciar outras pessoas, fazendo, por exemplo, os tais publis), ela agora é também exercitada por crianças. Deixemos momentaneamente de lado o fato de ser exploração do trabalho infantil o que acontece com influenciadores mirins, para observarmos o quê alguns deles estão dizendo: “Nasci para ser empreendedora e na faculdade te ensinam a ser funcionária […] Para ser pobre, estude, faça uma boa faculdade e encontre um bom emprego. Agora, para ser rico, faça totalmente ao contrário”.

Em tempos de desprezo pelos direitos humanos e de equiparação da cidadania ao puro consumo, não é fácil educar para a solidariedade, justiça, liberdade e autonomia, experiências que só se dão plenamente na vida pública, ela mesma em extinção. No entanto, talvez não reste alternativa a não ser resistir ao espírito do tempo e, para isso, duas considerações podem ajudar: (1) os meios, em especial os que funcionam na internet, não são neutros, públicos ou livres, menos ainda as formas de comunicar e afetar os sentidos e pensamentos; (2) mais que nunca é necessário encontrar um eixo em que as lutas reivindicatórias se encontrem, de forma que a busca pelo comum não se esfarele de vez. Se disso já sabemos, então é bom avaliar se temos coragem de nadar contra a corrente, antes que seja tarde demais.

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