Como falar de um céu em chamas a quem nunca aprendeu a ler as nuvens?
Thiago Malverde
Nos últimos anos a emergência climática tornou-se pauta de diversas capas jornalísticas. Na política não é diferente, uma vez que se trata de algo tão atual e urgente. As mudanças climáticas tornaram-se um pilar nos planos de governos progressistas, pois a comunidade científica cada vez mais exige que sejam tomadas providências para frear o aumento da temperatura média global e reduzir as catástrofes ao redor do mundo. Mas a questão é: Ao propor mudanças, a quem eles estão querendo levar essas pautas climáticas? Em nossa sociedade existe um abismo entre as propostas de políticas públicas que falam sobre transição ecológica e uma sociedade que não foi preparada para entender ou participar dessas transformações. Prometem o futuro, mas ignoram o presente. Antes de qualquer movimento, é preciso compreender a importância da educação ambiental para a população, pois como mobilizar uma sociedade para desafios globais se ela sequer foi alfabetizada ambientalmente? O Brasil ainda não aprendeu — e tampouco tem ensinado — como se enfrenta uma crise climática sem antes preparar sua população para compreendê-la.
Em um recente estudo no final de 2024, uma pesquisa do Instituto Datafolha, revelou que 34% dos brasileiros desconhecem o que são mudanças climáticas, sendo que nas classes D e E, mais da metade da população (54%) se considera desinformada sobre o assunto. Grande parte da comunidade é excluída do debate climática devido à falta de acesso às informações ou à educação básica. E são essas pessoas que são as principais vítimas de alterações bruscas do clima e de eventos climáticos extremos! Elas também têm suas demandas urgentes e lutam diariamente para garantir o mínimo: acesso à água potável, comida na mesa, trabalho e moradia digna. Para políticos, cientistas e educadores que buscam o engajamento da população é necessário que entendam, primeiramente, suas demandas e tragam a educação como uma ferramenta transformadora para que o coletivo se torne ativo no enfrentamento da crise climática.
Educação ambiental não é apenas um assunto que deve ser tratado no ensino médio, deve ser tratado desde a infância e estar presente na construção do sujeito durante todo seu período escolar. Além disso, é uma abordagem horizontal que vai além da Biologia. Mudanças climáticas revisita assuntos como desigualdades sociais e racismo ambiental, interpretação de dados estatísticos, o impacto da Revolução Industrial e modelos econômicos no clima, a história das lutas ambientais, coletividade vs individualismo, ansiedade climática, entre outros. É uma pauta interdisciplinar, um campo de formação cidadã, crítica e emancipadora. Em tempos de discursos rasos sobre sustentabilidade, precisamos trazer a educação para o centro da questão.
A título de exemplo, a abordagem dos desafios da floresta Amazônia ilustra como a comunidade está distante das pautas climáticas. A proteção florestal representa um dos maiores desafios no enfrentamento climático e da estabilidade ambiental em nosso país. Diante dos alunos, uma vez perguntei em sala de aula durante uma aula do itinerário Emergência Climática Global: Vocês se importam com a Amazônia? Sinceros, muitos alunos disseram que não, devido à distância geográfica. Não me surpreendi com as respostas, na verdade, eu já esperava. Aí questionei se a extrema seca nos últimos anos e o calor acima da normalidade era algo que os incomodava. Eles disseram que sim. Dentro disso, pude demonstrar qual era a relação desses fenômenos com a destruição da Amazônia, que era além de uma longa distância geográfica. A educação é uma ferramenta capaz de “encurtar” essa distância, pois leva ao indivíduo compreender que a Amazônia desempenha um papel crucial na regulação climática e na distribuição das chuvas no Brasil. Não adianta pautar em plano de governo que se deve proteger a floresta para a manutenção das chuvas no país se a população não está ciente do que seria, por exemplo, o ciclo da água.
A educação ambiental deve ser crítica. Por exemplo, campanhas educativas sobre o uso consciente da água colocam frequentemente a responsabilidade do desperdício sobre o indivíduo, com mensagens centradas em atitudes como fechar a torneira e tomar banhos mais curtos. Embora essas ações sejam importantes, esse tipo de comunicação ignora que o agronegócio responde por cerca de 72% do consumo de água no Brasil. Ao focar apenas no comportamento doméstico, essas campanhas acabam desinformando a população ao não revelar a dimensão estrutural da crise hídrica. Isso gera uma falsa percepção de que a crise pode ser resolvida com gestos individuais, sendo que, na verdade, são necessárias políticas públicas que regulam o uso da água.
Não se combate a emergência climática apenas com discursos, mas com investimento em uma educação ambiental contínua, crítica, acessível e integrada ao cotidiano das pessoas. Precisamos ser sensíveis em entender que as desigualdades impedem o engajamento pleno da população nas pautas climáticas. A culpa não é do povo por “não se importar com o clima”, e sim da ausência de políticas públicas que promovam o letramento ambiental desde a infância. Antes de colocar pautas ambientais “à goela” da população, é preciso enxergar a urgência da educação ambiental como base para qualquer plano climático. Sem ela, não há transformação, nem engajamento popular. Há um monólogo, não há diálogo. O motor das mudanças está dentro da escola. Devemos entender que não basta mostrar o céu em chamas — é preciso ensinar a ler as nuvens.