Chega de Paulo Freire e da barbárie
Mariano Narodowski
Das ultimas mobilizações populares ocorridas no Brasil, um cartaz no que se lia “Chega de Paulo Freire” recorreu mídias e redes sociais.
A frase é relevante no contexto de passeatas que reúnem milhares de cidadãos brasileiros que protestam por razões diferentes. Este não é o lugar para analisar essas mobilizações que, a priori, geram respeito de toda manifestação da vontade popular. No entanto, o cartel contra Freire, esse “chega” definitivo que deve ser reservado à fome, à tortura, à guerra ou à injustiça, aplicado neste caso ao pedagogo brasileiro, não pode ser deixado ignorado.
Não importa se estamos ou não de acordo com Paulo Freire. No meu caso, investi uns quantos capítulos de alguns dos meus livros e artigos para definir a majestuosidade de sua obra educacional, apesar de não compartilhar a maior parte das pretensões que são notados em seu discurso – atravessado pela vontade abrangente da racionalidade moderna dos educadores, e eu tive de defini-lo como o último dos grandes pedagogos da modernidade, capaz de totalizar em uma única afirmação as dimensões da filosofia, e a práxis e também capaz de articular em forma coerente e consistente aquilo que em estes tempos pós-modernos é tão distante: a prática educativa deriva-se – segue-se necessariamente- de um punhado de conceitos gerais e abstratos que são naturalizados em um ato liminar do pensamento.
Chega Freire. Chega de um pedagogo é chega de tudo pedagogo. Chega de pedagogia: é a diluição da educação a um ato irrefletido, a automatização divorciada de todo pensamento. Em suma, chega de Paulo Freire é a barbárie. Uma censura que fecha qualquer forma de debate, que nos leva de volta a formas pré linguísticas de relação.
É verdade que em sociedades atravessadas por conflitos sociais, cultuais e ideológicos não resoltos o chega a Freire pode ser o resultado de outros chegas a figuras antitéticas, contrarias ou apenas parcialmente divergentes a Freire, como a minha: uma escalada na que não é permitido o dissenso e se elimina a possibilidade do outro da construção da palavra. Uma censura às vezes sutil, às vezes frontal que faz vã a possibilidade de colocar em palavras os dissensos, delimitar estes com claridade, moldar a possibilidade de sua superação.
Os “fachos” que querem acabar com Freire e os “progres” que não aceitam ou rachaduras ou limitações a seu próprio discurso, são as faces de uma realidade que, si se estende, coloca uma parada à mesma possibilidade de educar.
Educar é ampliar o pensamento em qualquer de suas formas: um espaço em que a palavra “chega” nunca deve ser aplicada às idéias do outro, sejam as que foram.