Carlos R. Jamil Cury: pensar a educação, pensar o Brasil, e esperançar!

Por Tarcísio Mauro Vago e Luciano Mendes

Conhecemos o Cury, pessoalmente, quando entramos no mestrado em educação da FaE/UFMG. A nossa primeira aula foi com o ele: “Teoria do Conhecimento”. Era março de 1989. Naquele primeiro dia ele nos convidou a pensar sobre nossos projetos de pesquisa, e explorou para isso a etimologia da palavra “Projeto”, que escreveu no quadro: pro jectum  – “aquilo que é lançado para frente”, “que se projeta”, e em suas palavras: “aquilo que se deseja; o que se pretende”. Então, perguntou: o que vocês pretendem aqui, ao fazer o mestrado? O que desejam? Era e continua uma pergunta avassaladora. E atravessamos o semestre lendo desde os pré-socráticos até os filósofos da modernidade. Um deleite!

Ainda durante nosso mestrado, assistimos em maio de 1991 ao seu exame para tornar-se Professor Titular da FaE. Auditório cheio, diante de uma banca com grandes nomes, ouvimos Cury discorrer sobre as Constituições Brasileiras, desde a primeira, em 1824, vindo até a de 1988, chamada Constituição Cidadã, comentando sobre a presença da Educação nos ordenamentos de cada momento histórico. Produzia assim uma compreensão histórica da Educação Pública, destacando a ação de protagonistas diversos (especialmente de professores/as em seus movimentos políticos) para instituir e consolidar um sentido público para a Educação, fazendo dela um direito social, como se constitui no tempo presente, ainda que sempre em meio a perigos de retrocessos. Essa foi uma de suas inestimáveis contribuições.   

Mais tarde, em nosso Programa de Rádio Pensar a Educação, Pensar o Brasil, iniciativa do projeto de mesmo nome que coordenamos na UFMG de 2007 a 2022, a primeira entrevista para abrir um novo ano era sempre com o Cury: “Questões e Perspectivas da Educação Brasileira”. Temos vontade de transcrevê-las e editá-las em livro. Certamente nos oferecem o que podemos chamar uma ‘história da educação em ato’: suas reflexões e preocupações sobre temas candentes, na travessia de um tempo delicado e complexo, às vezes promissor, às vezes desesperador… 

É que a primeira entrevista foi em 2007, estávamos no segundo governo Lula; e a última em 2020, no início da pandemia e em meio à tormenta de um governo-pandemônio. Nesse tempo social de 12 anos, experimentamos com ele no estúdio da Rádio UFMG Educativa – a Estação do Conhecimento, o ‘delírio com coisas reais’ (como cantou Belchior). Eram (e são!)  coisas reais que desejamos, como o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação; os tão sonhados e mais que nunca necessários 10% do PIB para a Educação;  a proposição de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lutas abertas, sem prazo… 

Experimentamos também com ele o desespero de assistir (e de resistir) ao desmonte de políticas públicas relacionadas à Educação, o esquecimento do PNE, os ataques aos direitos sociais, aos direitos da classe trabalhadora. Cury sintetizava essa dura experiência, e recordamos palavras suas: “estão querendo desconstitucionalizar a educação pública, isto é, estão querendo tirar a educação pública da Constituição Brasileira, o que significa desresponsabilizar o Estado brasileiro de seus compromissos constitucionais com a Educação. É um imenso risco”, dizia ele. 

Reflexões que ele também nos oferecia nas tantas vezes em que o convidamos para o nosso Seminário Anual Pensar a Educação, Pensar o Brasil, que realizamos durante 15 anos na FaE-UFMG. A presença de Cury, com suas ponderações inspiradoras, era um momento de “organizar a esperança” (para usar o mantra do imenso e inesquecível Dom Pedro Casaldáliga).

Ao lado dele, atravessamos tempos de esperanças; ao lado dele atravessamos tempos de angústias. É o “Tempo Rei” cantado por Gil…  E aqui estamos nós! Em meio a novas e desafiadoras circunstâncias políticas, econômicas, culturais, em escala nacional, em escala internacional. Acompanhamos, perplexos, a emergência de uma ultradireita destilando seu ódio ao pensamento, à educação como à cidadania emancipada, vociferando preconceitos e violências inomináveis. Mas importa é que sempre, com Cury, mantivemos nossas utopias, nosso “inédito-viável” inspirado em Paulo Freire. 

Agora estamos aqui, para, com ele, comemorarmos os seus 80 anos de vida e suas seis décadas de dedicação à docência e à Educação.  

Que bom contarmos com Cury junto com a gente nessas lutas todas, especialmente a luta que nos envolve todos os dias – pela Educação Pública, Laica, de Qualidade e Socialmente Referenciada! 

Temos, em Cury, uma referência e uma inspiração permanentes! É por isso que a ele oferecemos esse “Lembrete” de Carlos Drummond de Andrade:

“Se procurar bem, você acaba encontrando.

Não a explicação (duvidosa) da vida,

Mas a poesia (inexplicável) da vida.”

Cury, querido de nós todos e todas! Somos felizes por participar de sua “Poesia Inexplicável” e contigo aprendermos a pensar a educação e a pensar o Brasil de forma sensível, corajosa e solidária.

1 comentário em “Carlos R. Jamil Cury: pensar a educação, pensar o Brasil, e esperançar!”

  1. Adriana Teixeira Reis

    Parabéns Tarcísio e Luciano, uma bela homenagem.
    Junto aos escritos do professor Cury e às inúmeras possibilidades de ouvi-lo em palestras e congressos, minha formação como profissional da educação teve um ganho de conhecimento e de criticidade que até hoje transmito aos profissionais que acompanho.
    O professor Cury é um dos grandes intelectuais formadores da nossa classe. A ele, desejo toda a felicidade deste mundo por nos ensinar sempre a manter a defesa dos direitos educacionais.
    Parabéns.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *