Movimentos Escola Sem Partido e Educação Doméstica se encontram: que rumos tomará a educação brasileira?

Por Luciano Mendes de Faria Filho

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Em 1980, o prof. Miguel Arroyo publicou na revista Educação e Sociedade, um texto cujo título era Operários e educadores se identificam: que rumos tomara a educação brasileira?  Nele, o pesquisador, de maneira bastante otimista, indicava a possibilidade de que tal identidade viesse a impactar fortemente a educação no país, uma vez que, pela primeira vez, os professores se organizavam e se identificaram como trabalhadores. De lá para cá, transcorridos quase 40 anos, o movimento sindical dos professores, assim como as lutas dos movimentos sociais diversos – dos sem terra aos acadêmicos – mudaram a face da educação brasileira. No cerne dessas mudanças estava a crença de que é papel fundamental da educação escolar, sobretudo a pública, retirar as crianças e jovens do mundo privado da família e trazê-los para a luz pública, para o mundo da política.

No entanto, esse argumento que mobilizou várias gerações de educadores e ativistas sociais na luta por uma escola pública, gratuita, laica e de qualidade, tem, nos últimos tempos, sofrido contínuos ataques. E cada vez mais radicais!

Por um lado, presenciamos, no Brasil, na última década,  a lenta mas contínua organização de um movimento de caráter internacional que questiona a necessidade da escola. Sob argumentos os mais diversos, que vão da proteção dos filhos contra o bullying ao direito de educarem seus filhos segundo suas próprias convicções religiosas,  o movimento  da educação doméstica defende o direito de os país – as mães, na maioria dos casos! – educarem seus filhos e filhas em casa.  Apesar da diversidade dos pontos de vista que anima o movimento, há um claro desapreço pela escola como instância de socialização das novas gerações e do encontro com o outro, com a diversidade, no espaço público, como fundamento da formação para a vida democrática.

Tal movimento, apesar de sua particularidade, guarda semelhança com os defensores da escola sem partido, havendo similaridades em seus argumentos, como se pode ver na utilização das mesmas referências religiosas, autores   e argumentos.  A diferença mais fundamental deste em relação àquele é que não há a renúncia em relação à escola, mas a busca por reduzi-la a uma extensão da casa e do mundo privado familiar, o que, ao fim e ao cabo, significa quase a mesma coisa.

Não há dúvida de que o encontro desses dois movimentos tem um potencial de nos levar, no campo da educação escolar, para o período pré-moderno.  Isto porque, tais movimentos se constituem sob o argumento, moderno, do direito de decidir como educar seus filhos e da necessidade de protegê-los das agressões do mundo, representado pela escola. Subjacente a isso, há, na verdade, um muito pequeno apreço pela vida pública e pelo regime democrático.

A escola pública republicana, saudada e sonhada por Miguel Arroyo no texto de 1980, numa longa sequência de defensores de uma escola pública de qualidade para todos, encontra-se, hoje, questionada  e em risco. A árdua luta de várias gerações para que todas as crianças e jovens tivessem garantido o direito de frequentar  a escola encontra, hoje, novos inimigos. Amordaçar os professores e educar os filhos em casa constituem faces da mesma moeda. Para aqueles que defendem a escola democrática, talvez hoje, mais do que nunca, seja de grande atualidade o texto do prof. Miguel Arroyo.

Ps1: Tendo terminado de  escrever este texto, deparei-me, não por acaso, com uma crítica do movimento escola sem partido a um texto de Jefferson Ildefonso da Silva em que utiliza, como uma das referências, justamente o texto do professor Miguel Arroyo citado acima. O texto é de 2000, mas  a crítica a ele reforça a pertinência da reflexão aqui proposta. Para quem quiser ler o texto do Jefferson bem como a crítica que a ele é feita, ver aqui. O texto do Miguel Arroyo, infelizmente não está disponível na internet, mas foi republicado no livro organizado por  Paulo Henrique de Queiroz Nogueira e por Shirley Aparecida de Miranda, para a Editora Autêntica,  sobre a trajetória desse importante intelectual da educação brasileira.

Ps2: Debate mais que esclarecedor ocorrido na PUC-SP há algumas semanas –  Escola Democrática x Escola Sem Partido e também aqui.

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