Dia das Crianças/Dia das Professoras: um presente nebuloso!

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Por Luciano Mendes de Faria Filho

Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso. (Walter Benjamin, Sobe o Conceito de História, n.9)

Hannah Arendt afirmou que o imperativo da educação é a natalidade: é porque nascem crianças no mundo que a educação é necessária! Afirmou também que quem não ama suficientemente o mundo para protegê-lo das crianças e quem não ama as crianças o suficiente para protegê-las do mundo, deveria ser impedido de ser pai/mãe ou professor/a.

Hoje é Dia das crianças. No entanto, societariamente, o presente que estamos dando às nossas crianças é absolutamente nebuloso, inclusive quanto ao futuro. Todas as medidas implementadas  pelo governo que ascendeu ao poder por meio do golpe parlamentar que destituiu a Presidenta Dilma comprometem seriamente as poucas políticas voltadas para a garantia de direitos de nossas crianças, sobretudo as mais pobres, bem como tornam muito mais difícil pensarmos em uma sociedade mais justa e igualitária num futuro próximo.

A sustentação de parte significativa dos meios de comunicação e do empresariado às políticas implementadas pelo governo e seus apoiadores no Parlamento sob o argumento de que estão defendendo o “futuro do país”, mostra o descompasso entre a representação da sociedade adulta, por meio dos políticos e empresários, e a situação da maioria de nossas crianças.  No fundo, tais representantes adultos  agem ferozmente em defesa de seus interesses mais imediatos e do bem estar de suas proles, pouco importando a sorte das crianças que vivem, parafraseando Ítalo Calvino, entre o barulho da carroça e o uivo dos lobos.

O investimento político – simbólico e material – do governo Temer contra as professoras da escola básica, cujo dia também deveríamos comemorar essa semana, é disso, muito sintomático.  Como sabemos, as docentes representam, junto às crianças, a sociedade adulta que investe educação das crianças que dela participarão plenamente no futuro. Essa representação pública é de grande importância e traz grande responsabilidade para as professoras.

No entanto, o exercício cotidiano, responsável e ininterrupto dessa representação ao longo da vida  depende de um conjunto de circunstâncias que devem ser, elas também, oferecidas pela sociedade.  Do plano de carreira e salários dignos á respeitabilidade social, não é possível ser docente responsável ao longo da carreira sem o reconhecimento material e simbólico prometido pela sociedade, por meio  do Estado, das famílias e de várias outras instituições.

Nesse sentido, o presente das  nossas crianças e de nossas professores se encontram profundamente interligados e, hoje, mais uma vez, ameaçados.  No entanto, ao contrário do que imaginam alguns que pensar proteger os seus filhos agredindo os direitos dos filhos dos “outros”, o impacto dessa irresponsabilidade dos adultos  não é  apenas sobre o presente das “outras” crianças e das professoras. Assim como a irresponsabilidade, o impacto é societário e estabelece um presente muito pobre e um futuro absolutamente nebuloso para todos nós.  Retrocedemos ao século XIX não apenas em nome da ordem e do progresso, mas também das catástrofes que ele acalentava para o século XX.  E essas catástrofes não cessam de acontecer!

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