Política e comunicação no debate sobre a educação

Na ultima quinta-feira, dia 28 de junho, o Pensar a Educação, Pensar o Brasil realizou a conferência “Corrupção da opinião pública e a falta de uma comunicação como prática da liberdade” com a pesquisadora do Grupo de Pesquisa Cerbras (Centro de Estudos Republicanos Brasileiros), Ana Paola Amorim.

A pesquisadora iniciou a sua fala relembrando a importância da relação entre comunicação e educação. Relação esta que parte de uma separação que na opinião de Ana Paola não deveria ter acontecido. Com base na referência de Luiz Felipe Miguel, ela pontuou o quanto a comunicação se transformou um ponto cego nas diversas áreas e campos de atuação das ciências humanas.

Provocada pela pergunta “Como as mídias comunicam sobre a educação e como o debate sobre a educação se estabelece no espaço público?” Ana Paola voltou sua fala para a dimensão política da comunicação ou a dimensão comunicativa da política, encarando “comunicação e política como conceitos que se configuram mutuamente”. A pesquisadora ainda coloca novas questões. Por que não temos no Brasil o desenvolvimento de mídias com a proposta de disseminar propostas democráticas diversificadas e plurais da educação? Por que as mídias brasileiras só tratam a educação do ponto de vista instrumental e deixam em segundo plano o seu caráter público? Para ela, o cenário que temos em nosso país é de uma mídia predominante comercial, antidemocrática, privada, oligopolizada que segue orientações de mercado. Além disso nosso sistema de mídia trata os direitos civis, políticos e sociais sob a ótica do privado, ou seja, relegando-os ao segundo plano. Frente a este cenário, Ana Paola reforça a importância da reflexão sobre as condições objetivas que organizam o sistema de comunicação que temos hoje no país.

Para Ana Paola o fato de não termos desenvolvido um sistema público de comunicação no Brasil traz consequências importantes para o espaço público e para a manutenção dos processos de democratização. Mudar a estrutura de mídias significa rediscutir esse sistema privado e centralizado e propor um novo modelo. Este modelo, segundo Ana Amorim, precisa estar relacionado à noção de prática de liberdade ausente na atual estrutura de comunicação. A pesquisadora usa a noção de prática de liberdade presente em Paulo Freire e apresenta a definição de Venício de Lima, estudioso da obra de Paulo Freire do grupo de pesquisa Cebras, para a noção de liberdade: “capacidade de cada pessoa pronunciar criativamente o mundo, de dar nome às coisas”. Além disso ela trata os conceitos de cultura, educação e comunicação como sinônimos. Ou seja, a comunicação é ação cultural, a forma como os indivíduos e grupos se colocam e vêm o mundo.

A proposta de Ana Paola também buscou pensar um outro sistema de comunicação a partir de como historicamente o sistema brasileiro foi estabelecido. A pesquisadora lembra que a atual estrutura de concessões midiáticas e a atual exploração do setor tem uma história, e essa história contém uma cisão entre a comunicação, a cultura e a educação.

Ana Paola também destacou como a radiodifusão anterior aos anos 30 era voltada a princípios educativos e como é importante recuperar um conjunto de debates e iniciativas sobre o sistema de comunicação a partir desse histórico. A radiodifusão brasileira nasceu pelas mãos de professores e cientistas. Houve todo um debate sobre a radiodifusão ainda nos anos de 1920, quando o rádio nasceu. Um importante exemplo para ela é a Rádio Sociedade, de Edgard Roquette Pinto, que não respondiam a desejos de empreendedores individuais, mas de redes de sociabilidades intelectual. A Rádio era entendida como um importante instrumento e era reivindicada pelo seu caráter educativo na sociedade. Essa discussão é entendida como o embrião para se pensar a comunicação como direito, assim como a saúde e a educação.

Neste histórico ela indica a influência estadunidense do monopólio da indústria de comunicação e a pressão para uso do modelo comercial de radiodifusão nas américas latinas, que estabeleceu um contexto de regulamentação da exploração comercial do setor a partir de 1932, no Governo Vargas. A história rememorada na fala da Ana Paola para demonstrar o quanto isso chama atenção para a dificuldade de criação de espaços de comunicação públicos e não necessariamente comerciais ou estatais. Não havia espaço para a criação e o estabelecimento de uma comunicação pública. A ampliação da concessão privada aumenta assim como a permissividade do setor em nosso país. “Não há restrição a concentração da propriedade”, afirma a pesquisadora. Tanto que em 1938 é criada a primeira grande rede de comunicação do Brasil, os Diários Associados, em pleno período ditatorial.

Em 1950 a TV já inicia com a larga vantagem do interesse comercial de Assis Chateaubriand. A própria chegada da TV em sua regulamentação em 1962 acontece sob o comando dos interesses dos empresários de comunicação. Uma legislação omissa sobre do controle da concentração de propriedade é criada e o Código Brasileiro Telecomunicações é entendido, neste contexto, como a antessala do golpe militar em 1964.

A Constituinte de 1986 abre possibilidade de regulamentação do setor de comunicação social e um importante debate é colocado para se estabelecer a comunicação como direito social. Contudo, nem mesmo a abertura democrática e o movimento de democratização da comunicação conseguiu estabelecer a complementaridade estatal, pública e comercial da comunicação. Essas questões criam um cenário de alta concentração na produção de mídia e da comunicação no país.

Ana Paola chama atenção para o desmonte da Empresa Brasil de Comunicação criada em 2008 e desmantelada após o golpe de 2016. Reforçando a aproximação entre a mídia comercial e rupturas antidemocráticas. “A mídia comercial se consolida como um sistema antidemocrático, anti republicado, privatista e com conceito de liberdade seletivo. Sem participação popular e atendendo a interesses comerciais não há liberdade de expressão”, afirma.

Qual o caráter dessa comunicação estabelecida em nosso país afinal? Ana Paola reafirma que uma mídia privatista, comercial e concentrada impede que se cumpra um principal constitucional que é o da liberdade de expressão, uma vez que ela sub representa sujeitos e processos sociais reforçando a cultura do silêncio. Silêncio este que, segundo Paulo Freire, não é  caracterizado pela ausência da voz, mas sim com a ausência da autonomia e autenticidade da voz em um país colonizado. “Ausência de condições de elaboração e apropriação pública das falas. Políticas de silenciamento atingem ricas experiências comunicativas que a despeito de sua potência acabam sendo invisibilizadas, desmemoriadas até que não se sinta falta nem do seu significativo silêncio. A estrutura monopolizada e autoritária da mídia impedem que outras vozes se constituam publicamente como processos criativos” afirma. Daí a relação entre comunicação e política. Sobreposição de interesses particularistas a possibilidade de criação de interesses coletivos no espaço público que é chamada de corrupção da opinião pública, ou seja, a dominação do espaço público por interesses privatistas.

Para Ana Paola, “falar da liberdade de expressão é falar da possibilidade de cada pessoa se constituir, garantir sua autonomia e garantir o seu lugar no mundo. Isso é uma construção coletiva. Não há liberdade de expressão confinada à esfera privada, construída individualmente, pois cada um e cada uma é em relação a si, em relação ao mundo e em relação ao outro no mundo. A gente é a partir do olhar do outro e, se o olhar do outro é condicionado por uma verdade  anterior a apresentação da fala de cada um e de cada uma, ele vai ser opressor. Vai impor silêncios. Vai condenar verdades a viverem na mentira. Na história do Brasil nos percebemos como os modos de silenciamento tem uma expressão particular sobre negros mulheres classes trabalhadoras povos indígenas comunidade LGBT e vários setores”. Ausência e negação do outro, impede a soberania popular, a falta de uma condição pública impede o desenvolvimento de projetos de educação que não têm como referência o mercado.

Ana Paola fecha sua fala com a importância de uma regulamentação democrática para a mídia, mas antes propõe que é importante pensar em como vamos discutir sobre comunicação. Para ela, compreender o significado do direito à comunicação, como um direito como a própria saúde, educação e a cultura é o primeiro passo para a consolidação de uma comunicação democrática e diversa.

Vanessa Macêdo

 

 

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