Bíblia não é material paradidático!

Sind-REDE/BH

No dia 08/04, a Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou, em segundo turno, o Projeto de Lei nº 825/2024, que autoriza a utilização da bíblia católica em sala de aula como material paradidático. O projeto, de autoria da vereadora Flávia Borja (Democracia Cristã), prega a utilização do livro em salas de aula como fonte histórica e filosófica por seu valor cultural, histórico e arqueológico. Contudo, a carga religiosa do material se mostrou como argumento dos defensores de seu uso, como o vereador Cláudio do Mundo Novo (PL)que ressaltou que as crianças da rede pública e privada poderão experimentar os valores cristãos dizendo: “Quando você lê a palavra de Deus, é Deus falando no seu coração, é cura interior. Deus te ensina o caminho da verdade, das boas companhias.”

Com 28 votos favoráveis, 8 contrários e 2 abstenções, o projeto foi aprovado em meio a intensos debates, refletindo tensões sobre a laicidade do ensino, a liberdade religiosa e os limites da comunicação pública de conteúdos religiosos em ambientes educacionais.

Para o Sind-REDE/BH, trata-se de uma proposta inconstitucional, que sequer deveria ter avançado na Comissão de Legislação e Justiça (CLJ), por ferir frontalmente o princípio da laicidade do Estado, previsto na Constituição Federal de 1988. Ao privilegiar um único texto sagrado — vinculado a uma tradição religiosa específica — o projeto promove o proselitismo religioso nas escolas e viola o direito à liberdade de crença, à diversidade e a não imposição de valores religiosos nos espaços públicos.

A escola é, por excelência, um espaço de formação cidadã, crítica e inclusiva. Ao permitir o uso da Bíblia como material paradidático, o PL 825/2024 ignora a rica diversidade religiosa e cultural do Brasil, onde convivem adeptos de diferentes tradições, como o islamismo, o candomblé, a umbanda, o budismo, além de pessoas não religiosas e uma ampla gama de vertentes religiosas. Como explicar a uma criança muçulmana ou de religião de matriz africana que seu livro sagrado não possui o mesmo reconhecimento? Como garantir que estudantes que não professam religião não se sintam constrangidos ou excluídos em atividades escolares baseadas na Bíblia?

Ainda que o projeto alegue que a participação em atividades relacionadas ao uso da Bíblia não é obrigatória, sabemos que, em uma sociedade onde o cristianismo é hegemônico, a não participação pode gerar situações de assédio, bullying e constrangimento entre estudantes. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9.394/96) é clara ao estabelecer que o ensino deve pautar-se pelo respeito à liberdade, à tolerância e ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas.

A escolha de materiais paradidáticos deve estar diretamente vinculada aos projetos político-pedagógicos das escolas e à formação dos educadores, respeitando critérios técnicos, científicos e multiculturais — jamais baseados em ideologias religiosas. O uso da Bíblia como fonte histórica, geográfica ou arqueológica, sem mediação crítica e qualificada, representa um desvio do caráter laico e científico da educação.

É preciso destacar ainda que a Bíblia não é um texto neutro ou universal. Sua interpretação varia entre denominações cristãs e contém passagens que tratam de temas como escravidão, violência, misoginia e intolerância, incompatíveis com os princípios de uma educação voltada para a cidadania e os direitos humanos. Muitos trechos da obra não são apropriados para crianças e adolescentes, e seu uso pedagógico exige mediação especializada que nem sempre está presente nas escolas. A falta de clareza sobre como o texto seria trabalhado abre brecha para discursos fundamentalistas, em descompasso com a educação emancipatória.

A aprovação do PL 825/2024 é um ataque à pluralidade, à liberdade religiosa e à autonomia pedagógica das instituições de ensino. Seguiremos firmes na luta por uma educação que valorize a diversidade, a ciência, o pensamento crítico e os direitos de todas e todos.

Por uma educação plural, crítica e emancipadora!

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